domingo, 27 de setembro de 2009

O lobo mau no caminho para Vila Isabel


Este é um conto pouco conhecido. Vamos ver se você já ouviu alguma coisa parecida com isso:

"Pela estrada a fora, eu vou bem sozinha
Levar esses doces para a vovozinha
Ela mora longe, o caminho é deserto
E o lobo mau passeia aqui por perto"

"Eu sou o lobo mau,
Lobo mau, lobo mau
Eu pego as criancinhas
Pra fazer mingau!
Hoje estou contente,
Vai haver festança
Tenho um bom petisco
Para encher a minha pança"

Acertou quem se lembrou de chapeuzinho vermelho. Aquele conto em que uma menina vai levar doces para a sua avó e tem que passar por uma floresta "cheia de perigos". Um deles era o lobo mau.

O que acontece no conto todo mundo já sabe: o lobo mau come a chapeuzinho vermelho e sua avó e só o caçador consegue tirar as duas de dentro da barriga dele com uma tesoura.

A missão da chapeuzinho era nobre: levar doces para a vovozinha. Então, porque alguém atrapalharia a pobre criança? Alguém mau, muito mau, vindo do quinto dos infernos, enviado pelo próprio diabo em pessoa? Não, claro que não... apenas um lobo com fome. Um outro animal que precisa se alimentar assim como todos os outros, inclusive a própria vovozinha, que esperava ansiosa pelos doces.

No conto da chapeuzinho vermelho aprendemos, como moral da estória, que devemos seguir sempre o nosso caminho sem parar pra conversar com estranhos. Ok, um bom conselho. Mas custava tentar descobrir por que um lobo tentaria comer uma pessoa se isso não faz parte da sua dieta normal? E o que um lobo fazia em um local onde pessoas passariam e ficariam expostas a tais perigos? Não tinha jeito de evitar a situação? Não dava para ter colocado a casa da vovozinha em outro lugar e deixar o lobo em paz na floresta, por exemplo?

Não estou ficando caduco, ainda sou novo para desenvolver alzheimer.. fique tranquilo. Só relembrei esse conto porque ele se assemelha muito a uma notícia que foi publicada no O Globo deste domingo onde temos descritos os sentimentos e palavras dos familiares de Sérgio Ferreira, o assaltante que manteve uma mulher como refém com uma granada na rua Pereira Nunes, em Vila Isabel, no Rio de Janeiro nessa semana, e que foi morto por um atirador de elite da polícia.

É claro que o que esse rapaz fez foi condenável em todas as instâncias, óbvio. Mas o que chamo a atenção aqui é o fato de normalmente nos atermos às notícias e palavras da vítima. Ficamos sabendo de tudo pelo ângulo da pessoa que sofreu com o ocorrido, a dor da família, o que ela pensou nos momentos de pânico... mas nos esquecemos de analisar, nem que seja por um instante apenas, as mesmas dores, os mesmos pânicos do outro lado.

Na matéria, a mãe do assaltante conta que ele, claro, não era nenhum santo. Tanto que já tinha sido preso 3 vezes. Mas ao mesmo tempo ela revela que seu filho estava desempregado já há 3 anos, que passava por diversas entrevistas sem obter sucesso. Sérgio, que tinha 24 anos, concluiu o ensino médio e tinha feito um curso técnico de montagem e manutenção de computadores em 2001.

Sem querer saber se ele foi o melhor da turma, dá para perceber que ele minimamente tentou alguma coisa na vida antes de descambar para a violência e o crime.

Milhões de pessoas passam e passarão pelos mesmos desafios que Sérgio passou sem, por conta dos insucessos, virar bandido. Mas muitos, talvez centenas, talvez milhares, vão sim cair na bandidagem. Mesmo depois de tentarem dar certo na vida.

E é um desses cem, desses mil, que pode a qualquer momento bater a sua carteira na rua, fazer um assalto à mão armada no sinal ou quem sabe fazer algém de refém em plena luz do dia.

No moral da estória do cotidiano nos ensinam a ser bonzinhos desde pequeno, pois assim vamos frequentar boas escolas, vamos ser bons filhos, vamos arrumar um bom emprego, vamos poder comprar um bom carro, vamos poder fazer uma boa viagem, vamos poder casar e ter bons filhos e vamos, veja só, poder nos aposentar pelo INSS!

Só não nos dizem que há chance de nada disso acontecer. Só não falam que existe uma enorme fatia da população que sequer vai ter a chance de começar do jeito certo. A cada dia, formam-se na escola da vida milhares de lobos que vão ficando maus, pouco a pouco... até o dia em que não encontram o que comer e têm que dar seu jeito esperando que algum chapeuzinho vermelho passe pelo caminho da floresta...

Então ficamos assim: nós, os chapeuzinhos, dentro dos nossos carros blindados, de olhos bem abertos no caminho para não ter o azar de encontrarmos nenhum lobo mau, esperando que algum dia o caçador resolva acabar com o real motivo da existência de lobos na região.

Bons ou maus, os lobos se proliferam.

Chapeuzinho, venha por aqui... e vamos cantando. É só o que nos resta fazer:

"Pela estrada a fora, eu vou bem sozinha
Levar esses doces para a vovozinha
Ela mora longe, o caminho é deserto
E o lobo mau passeia aqui por perto"