Em meio a um cenário de névoas geradas pela crise econômica mundial, janeiro trouxe uma boa nova para pais, mães, organizações da sociedade civil especializadas em crianças e ativistas da responsabilidade social empresarial.
Passa a vigorar, a partir deste mês, um compromisso fechado por algumas grandes indústrias multinacionais de alimentos de obedecer a regras mais restritivas em relação à propaganda dirigida a crianças. Este acordo – convém lembrar – foi selado em 2007, após a assinatura na Europa de um termo de compromisso chamado EU-Pledge.
Por meio dele, empresas como Nestlé, Kellogg`s, Coca-Cola, Pepsico, Danone, Kraft, Unilever e Burger King europeia se comprometeram a, por exemplo, não mais fazer publicidade em canais infantis para crianças até seis anos, voltando seu arsenal de mensagens comerciais aos pais -- quem, na verdade, deve decidir sobre a compra de produtos e serviços.
Para crianças acima dessa idade, as campanhas seguirão cuidados básicos, há muito tempo reivindicados por psicólogos, educadores e ONGs: além de incentivar a alimentação saudável e a atividade física, as peças de comunicação não devem reduzir a autoridade dos pais, nem confundir as crianças sobre os benefícios do produto, muito menos criar um senso de urgência quanto ao seu consumo.
Personagens de programas serão abolidos. Espera-se assim evitar que a publicidade produza expectativas exageradas ou dificulte ao pequeno telespectador distinguir o conteúdo real do produto e o recurso de fantasia da propaganda em si.
Ninguém tem dúvida de que tal conjunto de medidas é oportuno, embora chegue com algum atraso. Há mais de uma década, especialistas de diferentes campos de conhecimento defendem a restrição à propaganda infantil para crianças até 12 anos de idade, apoiados em estudos que mostram o óbvio, o que qualquer executivo ou publicitário, sendo ou não pais, sabem por experiência: em processo de desenvolvimento cognitivo e emocional, as crianças não possuem maturidade suficiente para julgar e discernir sobre o teor das mensagens publicitárias. Assim, são facilmente empurradas a um consumismo reativo e sem crítica cujos efeitos já podem ser notados no aumento dos índices de obesidade, na erotização precoce e até na dependência de álcool e drogas.
Pesquisa realizada em 2007 pela TNS Interscience, sugestivamente denominada Kids Power, revelou que 83% das crianças brasileiras são influenciadas pela publicidade. Depois dos anúncios de TV, a associação de produtos com personagens famosos e as embalagens atrativas consistem nos fatores que mais impactam o consumidor infantil. Uma criança brasileira passa em média quase cinco horas diárias em frente à televisão, exposta a uma programação de qualidade duvidosa e a toda sorte de estímulos comerciais, muitas vezes nocivos à sua saúde física e emocional.
Qualquer cidadão de alma pura que se dispuser a ler sobre o tema na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e Adolescente e no Código do Consumidor vai encontrar elementos que repudiam a propaganda infantil. Com tantas boas razões, uma prática insustentável como esta, já deveria ter sido abolida pelo menos entre as companhias que há 10 anos se dizem socialmente responsáveis (nunca é demais lembrar que o indicador 29, dos Indicadores Ethos, um dos primeiros instrumentos de auto-análise do comportamento de responsabilidade social, trata especificamente deste tema).
Então por que apenas agora, ela começa a ruir? A resposta é simples: precaução diante do crescente receio de que uma combinação previsível de regulamentação e autorregulamentação severas acabe de vez com a propaganda de alimentos para crianças, como já ocorreu com os cigarros.
De um lado, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) faz enorme barulho com uma consulta pública que tem como objetivo regular o assunto. De outro, o bravo Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação) aumentou sua vigilância, cumprindo o importante papel social que lhe cabe de defender os interesses da sociedade contra eventuais abusos da indústria da propaganda.
No exercício de suas funções, ambos os órgãos incorporam, na verdade, os anseios éticos dos cidadãos consumidores deste novo milênio. A mudança da indústria rumo a uma comunicação mais responsável responde, portanto, a uma pressão maior por parte da sociedade que já não admite, como em outros tempos, ser alvo de estratégias comerciais agressivas, mentirosas e manipuladoras.
Resta saber se as boas intenções vão sair do papel do compromisso EU-Pledge – Nestlé e Kelloggs já admitem mudanças de rota em suas campanhas brasileiras - ou se os mesmos interesses que, em passado recente tentaram defender a prática escorados em argumentos convenientes como o do direito à livre expressão, vão reaparecer camuflados sob novos discursos.
Fonte: Revista Idéia Socioambiental
segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009
Propaganda infantil sustentável
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